1º de Janeiro

Talvez eu não seja mesmo daqui. Talvez eu não seja de lá também. Talvez eu simplesmente não pertença a essa casa onde os sons são altos e as pessoas estão sempre fazendo alguma coisa.
Talvez eu não precise mesmo escrever e não tenha o direito de fazê-lo. Então eu devo fazê-lo por vaidade. Por vaidade que sento na mesa de meu falecido avô e escrevo.
Escrevo porque assim eu tenho um motivo para não pertencer a lugar algum.


Pertencer a um lugar é extremamente cansativo. Tem-se que as coisas como elas se apresentam, o que é extremamente aterrorizante.
Não pertencer é o que mantém o estado de suspensão das coisas. Um porvir eterno, um "há de ser" que é do que a vida é feita.
Assim, ainda que eu não pertença a lugar algum é impossível não pertencer ao tempo.
Esse me tem por completo. Não pertencer aos lugares mas pertencer às horas. É inevitável.
E escrever é como me amarro ao tempo e como posso ser verdadeiramente dele. O tempo me ordena que eu escreva.
E escrever que eu digo é escrever qualquer coisa.
Escrever uma lista, inclusive, é a forma mais racional de pertencer ao tempo. Escrever um poema é já abstrair o tempo, mas ainda assim ser dele totalmente.
Eu pertenço então a tudo que um dia já escrevi e tudo que ainda escreverei.
Escrever é uma maneira muito vaidosa de fazer passar o tempo.
E ler é colecionar objetos. Todos que leem são acumuladores. Possuem as palavras que levam as imagens e os lugares visitados.. Ler é uma maneira muito eficiente de acumular imagens e criar necessidades que antes não existiam. Ler é criar cada vez mais pontos de fuga e lugares de não pertencimento.
Ler e escrever é entregar-se completamente ao tempo e ao espaço e comungar com o fato absoluto de estarmos sozinhos não importam quantas vozes tenham ao redor.
E nesses dois rituais aceita-se a solidão como destino e virtude. E por isso são ações sempre um pouco egoístas e vaidosas.

É sentir o prazer de não precisar de um outro corpo. Tudo se resolve com imagens e ruídos.

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