Freddie Reflexions


Tenho caído constantemente na armadilha do amor romântico da cultura de massa. Venho, desde que PJ Harvey cruzou meu caminho quase dois anos atrás, entregando-me de corpo e alma às narrativas disseminadas pela grande indústria cultural e pelo culto às celebridades.
Eu ouço as músicas, assisto aos clipes e aos vídeos com performances ao vivo e simplesmente me apaixono. Sou fisgada. Me arrebata. Passo a desejar o universo, a época. Desperta em mim uma sensação nostálgica de um passado que eu nunca vivi e a esperança de um futuro que eu tampouco hei de viver. Cada figura que me encanta desperta em mim o desejo de vivê-las, conhecê-las. Eu mergulho nas músicas, nas obras e em qualquer índice que exista de sua presença na terra. O novo mundo brilhante que elas revelam me excita e preenche. Queria eu mesma ser a artista. Ser ícone.
Esse transe se faz presente desde que fui ao cinema assistir Bohemian Rhapsody. Penso o tempo todo em Freddie, em sua vida, nas músicas do Queen. Construo para mim uma versão de sua persona a partir dos registros de suas performances, fotos, vídeos, entrevistas. Qualquer registro é material de criação do imaginário.
Que fato incrível que é o registro audiovisual. Podemos ver e ouvir eternamente a voz e a imagem de Freddie Mercury cantando Love of My Life. Ver seu corpo, sua boca, lábios e dentes em movimento. O público cantando junto. Podemos ver como se estivesse acontecendo de novo, e de novo, e de novo…
Ah que saudades daquele show no Rio que nunca fui! Essa nostalgia do que não vivi é uma constante em minha vida. Não consigo deixar de pensar como seria mais feliz uma época na qual íamos aos concertos para ver e ouvir a música e não para registrá-las com nossos celulares. A urgência em fadar o momento à eterna repetição é maior que experienciar sua aura. Ausência de presença, excesso de futuro. Esvaziamento de sentido na era da reprodutibilidade técnica e do compartilhamento em tempo real.
Desejo viver outra época. A época do Queen, a época que não sabíamos tudo das vidas uns dos outros. Que Freddie vivia de carne e osso. Mas devo admitir a contradição e realizar que é justamente a demonizada tecnologia que me permite ouvir todas as suas canções.
Posso ir ao cinema e ver a representação – ainda que romantizada – da vida de Freddie e entrar em seu universo, mesmo que seja o universo criado por mim e para mim. O cinema permite a criação desse universo compartilhado, da fantasia do eu vivido ao encontro do outro.
E nesse encontro as narrativas são infinitas. Desde as especulações mais simples suscitadas pelo filme – como se a linha do tempo apresentada correspondesse aos fatos – até reflexões mais complexas à respeito da sexualidade de Freddie e a relação desta com sua obra.
O fato é que sempre serão feitas especulações e serão criadas narrativas, pois esses mecanismos fazem parte da lógica da indústria cultural de massa. E nesse sentido os filmes são projeções materializadas de recortes do mundo real.
Bohemian Rhapsody, o filme, é um belo pretexto para praticar o escapismo e mergulhar no universo mercuriano, indo ao encontro de nossos-outros mundos. E esse outro mundo descortinado é regido por um astro, uma rainha vinda de uma terra distante, exuberante, arrasadora e muito mais real do que jamais poderemos supor.
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Esse texto foi originalmente publicado em Livre Opinião: Ideias em Debate: https://livreopiniao.com/2019/01/11/freddie-reflexions-por-yasmin-bidim/

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